Viajar: lições e mitos | Resor: lektioner och myter

Nem tudo o que brilha é ouro

A gestão de expectativas pode "fazer ou desfazer" umas férias. Hoje em dia não faltam guias e sites e blogues e redes sociais e páginas do youtube com dicas e histórias e fotos e vídeos - e mesmo assim nem sempre tudo o que parece, é. E há 20 anos atrás as coisas eram bem diferentes, logo, as surpresas/desilusões conseguiam ser bem maiores...

- Pamukkale e as suas piscinas de calcário são das imagens mais famosas da Turquia. E eu convencidíssima de que poderia lá tomar banho! Há 24 anos só pude molhar os pézinhos.
- Faz este ano 20 anos que visitei a cidade do México e apesar de estar minimamente preparada para os bairros de lata, não estava suficientemente preparada. Mais despreparada estava para os bairros de lata de Buenos Aires, que visitei em 2017, e que admito que desconhecia. (Os bairros de lata de Nairobi - 2006 - também me marcaram muito).
- Durante anos "devorei" tudo o que podia acerca da história do Egipto, logo podem imaginar a minha excitação quando há 19 anos estava a caminho das pirâmides de Gizé. Até perceber que as mesmas não estão no meio do deserto - tal como eu imaginava baseada nas fotos que tinha visto - mas sim ali "ao lado" da cidade do Cairo.
- Tinha a Islândia na minha bucket list há anos! E tenho muita pena de ter demorado tanto tempo a chegar lá, porque infelizmente a experiência não foi a que tinha idealizado. Gente a mais e demasiado cara.
- Turistas e turistas e turistas. Certas praias tailandesas a abarrotar, Veneza a abarrotar, Amsterdam a abarrotar, Barcelona a abarrotar, Santorini e Mykonos a abarrotar. E mesmo apesar dos próprios turistas saberem da existência deste excesso de turistas, mesmo assim continuam a visitar estes locais em plena época alta. Eu já aprendi esta lição há algum tempo.

Viajar nem sempre é fácil...

Principalmente para quem não gosta de andar de avião: 
- voos atrasados/cancelados: para ser sincera não me recordo de ter voos cancelados, mas voos atrasados esses são mais que muitos
overbooking (prática de vender mais lugares do que os disponíveis no avião): em 2004 estávamos a fazer o check-in para o voo Madrid - cidade do México quando a Iberia nos informou que já não havia lugares naquele voo; tivemos de passar a noite num hotel do aeroporto e voar só no dia a seguir (fomos obviamente compensados)
- turbulência extra, com momentos em que pensei que ía correr mal (como a viagem Melbourne - Dubai, ou LA - Londres)

Quando na viagem de barco da Madeira para o Porto Santo, tinha eu 6 anos, toda a gente à minha volta ía a vomitar (das minhas primeiras recordações de viagens).

Quando fizemos uma inesquecível viagem de comboio de Roma para Turim a seguir à passagem de ano de 2008, num comboio com urina e vómito pelo chão.

Quando entramos no autocarro errado em Amsterdão (2009) e um rapaz vomitou-me nos pés... Por sorte o motorista teve de levar o autocarro para ser limpo e a central dos autocarros era ao lado do nosso hotel - ele mandou toda a gente sair do autocarro menos nós :)

Quando apanhamos um acidente de carro em Marrocos (2016) minutos depois do mesmo ter acontecido, numa zona de deserto, com as duas faixas intransitáveis, e com locais a tentar ajudar os encarcerados com cigarros acesos e com a estrada cheia de gasolina.

Quando não faltam peripécias num curto espaço de tempo (por exemplo, a nossa viagem recente a Berlim/Sicília).

...ou confortável

Quando para poupar uns trocos voávamos naqueles aviões das 5/6 da manhã, e para pouparmos uma noite no hotel dormíamos no chão do aeroporto.

Quando ficamos num quarto num hostel (em Dublin, 2005) com mais 18 pessoas, com uma casa-de-banho partilhada que tinha uma sanita com um cano furado (espero que isto já não seja legal!).

Quando se tem encontros de primeiro grau com alforrecas no Mediterrâneo (Palma de Mallorca e Tunísia), ou caravelas portuguesas em Byron Bay. E insectos/aracnídeos vários; e ratos.

Quando praticamente não pregamos olho durante a nossa experiência de campismo selvagem no arquipélago de Estocolmo, tais eram os "barulhos da noite" - chegamos inclusive a pensar que era o nosso guia (não era, obviamente!), mas não deixou de ser beeeem desconfortável. 

Quando nem toda a comida "cai" bem ahah. Roma (num restaurante caça-turistas), Fez (num "tasco" marroquino frequentado apenas por locais), Oslo (num restaurante do guia Michelin), ... , nenhuma cidade/tipo de restaurante será 100% segura(o) ;)

E às vezes até pode ser assustador

Quando em 2006, numa rua em Nairobi, um homem começou a puxar pelo meu braço e a minha mãe pelo outro. Ainda de referir que eu e a minha mãe éramos as únicas mulheres e os únicos caucasianos à vista.

Quando em Marraquexe, em 2016, pensamos que íamos ser raptados. Apesar de sermos dois casais estávamos super-convencidos que estávamos a ser encaminhados para um qualquer sítio para sermos assaltados. Mas felizmente tudo não passou de um mal entendido!

Quando em 2017, enquanto visitávamos o bairro de Buenos Aires onde a minha mãe nasceu/viveu durante a infância, o taxista não nos queria deixar sair do táxi, tal era o "ambiente" da zona.

Quando em 2018, uma companheira de viagem nossa desapareceu e ficamos todos em Kuala Lumpur durante praticamente um dia à espera de saber se ela estava viva ou não. O guia estava desesperado e o grupo estava obviamente preocupado. A rapariga apareceu passado umas horas valentes, como se nada fosse - tinha passado a noite "fora" e tinha perdido a noção do tempo... Enfim.

E nem sempre é como nos "vendem" nos blogues/sites de viagens

- Não vai ser tudo um sonho e mágico e "life-changing".
- Não vais conhecer pessoas incríveis dia-sim-dia-não.
- E sim vai haver alturas em que só apetece ficar no quarto do hotel a ver filmes (e pedir serviço de quarto).

Além disso não é obrigatório (gostar de) viajar!

Um dos grandes mitos das viagens é que toda a gente deve fazê-lo ou então não será uma pessoa nem interessante nem culta. E que, pelo contrário, quem viaja é culto e interessante.
Não. Podes nunca ter saído do teu país e seres uma pessoa fascinante; podes ter visitado todos os países no mundo e não teres nada de cativante a teu respeito.
Viajar é uma opção como tudo na nossa vida, é um investimento em dinheiro e tempo e energia: e só não deve ser limitada por medos!

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Pessoalmente acredito que os benefícios de viajar ultrapassam largamente as desvantagens. Para mim viajar é fundamental, dá-me perspectiva, mostra-me o mundo ao vivo, em direto, a cores e sabores. Viajar permitiu-me aumentar a minha confiança (a confiança é como um músculo - quanto mais exercitado, mais forte se torna), e deu-me/dá-me muitas histórias e memórias - as minhas histórias e as minhas memórias. Viajar para mim é muito mais do que colecionar países (válido para quem quer tratar as viagens dessa forma), é (re)conhecer-me pelo mundo e deixar um pouquinho de cada sítio onde fui em mim. E é uma opção que felizmente tive e tenho - sim, sou uma privilegiada.
"As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos." - Fernando Pessoa

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