Amamentação: uma reflexão | Amning: en reflektion

Sim, a amamentação é algo natural na medida em que é fisiológico. Mas desenganem-se os que pensam que por ser fisiológico é simples: pode ser fácil para algumas mulheres, mas muito provavelmente será muito duro para muitas, principalmente nos primeiros tempos.

A minha experiência:

Ainda grávida li um pouco acerca do tema e assisti a uma aula de amamentação (o Tiago também assistiu), que achei bastante útil, e não pensei muito mais nisso.

Mal a Aurora nasceu e foi possível, ela veio para o meu peito, e passado pouco tempo já fazia a pega. Os dois primeiros dias passados no hospital foram de mamas destapadas, com a Aurora "agarrada" (nesta fase é mesmo importante a sucção/saliva/pele da bebé), à espera do colostro - e comigo preocupada qb porque as coisas podem ser mais lentas quando o bebé nasce de cesariana, e porque a Aurora era um bebé pequeno, com menos de 2,7kg. 

Já passados dois dias de estar em casa o leite intermédio começou a subir (ou a descer dependendo da perspectiva) e eu comecei a ficar aflita dado o que estava a acontecer às minhas mamas: duríssimas como pedras, tão esticadas que a Aurora tinha dificuldade em fazer a pega. Salvaram-me as minhas amigas-mães em Portugal que me foram guiando e explicando que tudo aquilo era normal e temporário (abençoados duches de água quente!). E foi!

No final da primeira semana marquei a minha primeira consulta de amamentação porque queria ter a certeza que sabia o que estava a fazer. A sessão foi super informativa e correu tudo bem dentro daquela pequena sala. Mas fora daquelas quatro paredes as coisas começaram a complicar um bocadinho: mesmo com duas pomadas diferentes, protectores de prata, e compressas próprias para mamilos, os meus mamilos começaram a ressentir-se mesmo muito.

A partir do final da segunda semana, dada a intensidade da Aurora a mamar - e uma pega menos boa, diria eu - comecei a ficar sem metade do meu mamilo direito: eram umas dores terríveis. Cada vez que o Tiago pousava a Aurora no meu colo para mamar da mama direita, eu tinha de respirar fundo e fechar os olhos. Dei comigo a pensar várias vezes como é que eu ía aguentar 6 meses a amamentar exclusivamente?! Naquela fase o meu objetivo era conseguir dar de mamar pelo menos um mês - achava mesmo que não ía conseguir mais do que isso. Até que reflecti melhor e comecei a pensar que tinha que haver alguma maneira da amamentação não ser uma tortura.

Eu já sabia da existência dos protetores de mamilo de silicone, e tinha lido que podiam atrapalhar a pega do bebé, mas não estava a ver outra opção. Marquei novamente outra consulta de amamentação e felizmente validaram a minha opção: mais valia usar os protetores de silicone do que deixar de dar de mamar. Há quem os deteste, há quem os adore. A mim permitiram-me continuar a dar de mamar sem sangue, nem olhos marejados de lágrimas. E neste momento em que escrevo, passados 6 meses, a amamentação está a funcionar muito bem - tenciono continuar a dar de mamar até pelo menos aos 12 meses, ou enquanto funcionar para as duas.

Durante os primeiros meses sempre que pensava que estava tudo controlado, acontecia algo novo: os ganhos de peso da Aurora eram pequenos (o que me levou a marcar uma terceira consulta de amamentação para certificar-me que estava a fazer tudo bem - estava! - e para aprender a bombar leite em caso de necessidade); fases em que a Aurora bolçava muito (será alguma intolerância/reação alérgica ao meu leite?! - deixei de beber leite e derivados durante algumas semanas e em duas tentativas diferentes, e sem chegar a nenhuma conclusão definitiva; será refluxo?!?!); dias em que a Aurora “concentrava” mamadas ao fim do dia, momento em que o leite apesar de mais calórico sai em menor quantidade e portanto ficava bastante rabugenta (eu não estava informada para esta realidade e andei dias a pensar que estava a ficar sem leite), as “crises” (ou utilizando uma linguagem mais positiva - os saltos de desenvolvimento), etc-etc. É um processo em constante mutação e ajuda estar mentalizada para isso...

Algumas observações/reflexões que gostava de partilhar: 

As enfermeiras-parteiras não são especialistas em amamentação. Embora úteis, não são especializadas nesta área e podem inadvertidamente dar maus conselhos. Por exemplo, na primeira noite na maternidade insistiram em dar fórmula à Aurora, um bebé recém-nascido com o estômago do tamanho de uma noz, só porque ela não nasceu com o peso médio de um bebé sueco (3,5kg). Por sorte (e porque aprendi isso na aula que tive) continuei com ela sempre na mama para ajudar na estimulação do colostro. Alguém menos bem informado poderia assumir que a bebé já estava alimentada e não a colocar no peito, o que atrasaria ainda mais a chegada do colostro.

Paciência activa: temos de dar tempo ao tempo para o nosso corpo responder (maravilhosas das hormonas!), mas temos também de estar pele-com-pele com o bebé, e tê-lo na mama para fazer a parte dele.

A consulta de amamentação é fundamental. Uma coisa é ler livros e ver vídeos na internet, mas dar de mamar à nossa bebé junto a uma especialista faz toda a diferença. E o/a companheiro/a tem de estar presente para também aprender e poder ajudar: o Tiago foi fundamental a ajudar a posicionar a Aurora nos primeiros tempos, por exemplo. E se uma consulta não bastar vão duas, três vezes, as que forem necessárias (e economicamente viáveis claro; aqui na Suécia as consultas de amamentação na maternidade são grátis durante o primeiro mês e depois passam a custar 200 sek, cerca de 18 euros).

Muitos pequenos problemas não sendo resolvidos a tempo podem ter efeito bola de neve, principalmente durante os primeiros meses em que a amamentação está a ser estabelecida. E é por isso que existem os especialistas! Sabedoria popular e “ouvi dizer” podem ser muito contraproducentes, principalmente quando agora há tão mais conhecimento sobre esta área do que há uns anos atrás. As especialistas em lactação existem para nos ajudar a ter uma experiência de amamentação positiva e confortável.

Ouvi histórias atrozes de recém-mães que tiveram experiências terríveis com “”especialistas”” de lactação em Portugal, que nunca devem ter ouvido falar de empatia. Infelizmente há maus profissionais em todas as profissões por isso eu recomendo usarem como referência as recomendações das vossas amigas/colegas/familiares.

A amamentação pode doer - e muito - no início, já que os mamilos não estão preparados para a sucção do bebé. Além disso a pega ideal pode demorar algum tempo. Mas a dor irá eventualmente passar quando os mamilos se adaptarem. (Eu lembro-me que no início nem conseguia secar os mamilos com a toalha do banho tal era a sensibilidade dos mesmos). E há outras soluções - como os protetores de silicone - quando as coisas correm pior do que o suposto, como no meu caso.

Os bebés evoluem MUITO na sua pega. Pelos 3 meses são autênticos especialistas dada toda a coordenação adquirida com a língua. Em muitos casos os protetores de silicone deixam mesmo de ser necessários (foi o meu caso).

Há ainda muita gente a considerar um problema usar-se a mama para adormecer o bebé. Esta relação mama-sono acontece pela própria natureza da amamentação: o leite materno contém melatonina, uma hormona que regula o sono, com níveis mais altos durante a noite, ajudando o bebé a estabelecer um ritmo circadiano saudável e a dormir melhor; o leite materno também contém L-triptofano (um aminoácido precursor da melatonina), que promove o relaxamento e a sonolência, auxiliando o bebé a adormecer mais facilmente. Além disso o processo de amamentar regula a temperatura do bebé e o seu batimento cardíaco, e baixa a sua pressão arterial, induzindo o sono. Amamentar para adormecer é normal, saudável e adequado ao desenvolvimento do bebé.

A amamentação é um compromisso de tempo - e eu não imaginava quanto antes de começar (tenho a sensação que passei o primeiro mês de vida da Aurora ""SÓ"" a dar-lhe de mamar...). Consegue ser mesmo-mesmo muito-muito intenso.

A amamentação causa uma diminuição nos níveis de estrogénio no corpo da mulher devido à alta produção de prolactina, uma hormona que inibe a secreção de estrogénio. Essa diminuição pode levar a sintomas como secura vaginal e desconforto, semelhante aos efeitos da menopausa. Além disso a queda de cabelo durante a amamentação, também conhecida como eflúvio telógeno pós-parto, é uma condição comum e geralmente temporária, relacionada às ditas mudanças hormonais após o parto.

É importante observar os seios e reportar ao médico se algo estranho estiver a acontecer (manchas vermelhas e quentes, por exemplo).

A amamentação tem momentos de muito stress e ter alguém (por norma mulheres de uma outra geração) a fazer a fatídica pergunta “será que o teu leite é suficientemente bom?!” não ajuda nada. Tirando excepções por motivos médicos, sim, o nosso leite é suficientemente bom. E em caso de dúvida há que consultar os especialistas obviamente.

Não ver exatamente quanto é que o bebé está a mamar pode ser difícil de gerir. Além disso, a quantidade de leite que conseguimos extrair com bomba não é indicativa da quantidade de leite que o bebé está a receber quando está a mamar: os bebés têm uma capacidade de sucção maior do que uma bomba. O comportamento do bebé, o aumento de peso e o número de fraldas de urina são assim os melhores indicadores.

Toda a gente sabe quais são os benefícios da amamentação - estão bem divulgados: a OMS recomenda amamentação exclusiva durante os primeiros 6 meses, e até aos 2 anos ou mais. Eu acredito que tem sempre de ser uma decisão da mulher. De nada vale uma mãe estar a dar de mamar em sofrimento e/ou contrariada.

Algumas recomendações de websites sobre amamentação que me ajudaram muito:

BabyBaby: recomendação que a enfermeira perita em amamentação me deu na primeira consulta; este blog sueco já ganhou um prémio pela sua contribuição em relação à amamentação.

Duas visões super gentis que são muito apreciadas principalmente quando tudo é tão avassalador (e baseadas em factos científicos): KellyMomLa Leche League International.

Lactapp

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